Os deuses do futebol são cruéis.
O Botafogo entra no Maracanã na noite de sábado precisando ganhar do Fluminense para continuar na liderança do Brasileiro. Contudo, tem um jogo de vida ou morte dentro de quatro dias pelas Quartas de Final da Libertadores. A Comissão Técnica resolve poupar jogadores. Os laterais são sacados. O centroavante é substituído. Marlon Freitas está suspenso. Almada fica no banco.
A partida começa. O Fluminense marca com linhas altas, fazendo pressão na saída de bola. Os defensores do Botafogo se atrapalham. Não há um elemento de criação no meio de campo que recue para buscar a bola, clareie a jogada, sirva de desafogo. Falta força ofensiva nas laterais.
Mesmo assim, o time parte para cima. Tem uma chance clara. Mateus Martins desperdiça o lance na frente do goleiro.
O ataque não está bem. Luiz Henrique, o craque do Brasileirão em agosto, retorna ao Maracanã para enfrentar o clube que o revelou, anos depois de fazer o jogo de despedida pelo tricolor, antes de sua partida para a Espanha.
Luiz Henrique parece nervoso. Foge das laterais do campo, embola pelo meio. Evita nitidamente o confronto com Marcelo.
O tempo passa. As dificuldades aumentam. O Fluminense começa a gostar do jogo. Domina o meio de campo. Cria chances. O goleiro alvinegro aparece bem em duas oportunidades.
A torcida começa a ficar apreensiva. Luiz Henrique é peça nula no ataque. Quando recua para ajudar a defesa, vacila seguidamente.
No intervalo, o técnico Artur Jorge chama-o a um canto do vestiário. Repreende-o. Sua intenção era substituí-lo. Mas, após a conversa, Luiz Henrique acaba ganhando uma nova chance.
A partida recomeça. O Botafogo vem para cima. Logo no início do segundo tempo, a bola é lançada em profundidade. A torcida se levanta. O Pantera ganha do marcador na corrida. Avança para a área. Tenta encobrir o goleiro. Fábio defende com a mão esquerda, milagrosamente.
Uma chance de ouro perdida. O torcedor leva as mãos à cabeça. A paciência com o craque se esgota. Os xingamentos começam. “Mascarado” “Displicente.” “Falta raça.” “Pede para sair.”
O jogo fica ainda mais nervoso. Os jogadores do Botafogo erram muitos passes. O adversário cansou; e agora, praticamente, só se defende.
As substituições se sucedem. Almada entra no meio-campo. Igor Jesus retorna o comando do ataque. Allan aparece para reforçar a marcação. Luiz Henrique permanece em campo. O treinador parece acreditar em um milagre.
Do lado do Fluminense, Marcelo é sacado do time. Luiz Henrique reaparece na ponta-direita. O torcedor se anima.
A bola chega a ele na lateral do campo. Luiz Henrique enfileira os marcadores. Vai à linha de fundo. O cruzamento, porém, sai torto. Por duas vezes, a cena se repete. A torcida vai ao desespero. Não é dia do Pantera.
O jogo se encaminha para o final. As equipes estão exaustas. O empate parece definido.
Nos cinco minutos finais, um choque acidental interrompe a partida. A ambulância entra em campo para retirar o jogador do Fluminense.
A paralisação esfria os ânimos. O árbitro dá oito minutos de acréscimo. O Botafogo vai para cima desordenadamente. O jogo agora é ataque contra defesa. Não há mais tática, não há técnica, só coração.
Perto do fim, o inesperado acontece. A equipe alvinegra tenta marcar pressão. Filipe Melo, que entrou no lugar do companheiro contundido, tem a bola dominada na linha de sua grande área. Recua com um toque imprevisto, buscando clarear a jogada.
Gregore está na marcação. Acredita. Dá o bote, usando o último fôlego que lhe resta.
A iniciativa dá resultado. O volante botafoguense faz a alavanca. Põe a perna adiante. Toca na bola, toma a frente do adversário. Filipe Melo se joga no chão, simulando uma falta inexistente.
A bola corre demais. Fábio sai do gol para interceptar a jogada. Gregore se atira. Toca na bola com o bico da chuteira.
A esfera rola mansamente para a marca do pênalti. Luiz Henrique está lá. Sozinho. Com o gol aberto.
O Pantera abre os braços, como se pedisse desculpas. Empurra a bola com um toque. A torcida explode.
O jogo chega ao final. Uma vitória inacreditável. Um lance quase impossível.
Uma reviravolta da sorte.
Ironias do destino. O Fluminense procurou pressionar a defesa alvinegra o jogo todo. No fim, foi vítima do próprio veneno.
Luiz Henrique, por sua vez, é agora o personagem do jogo. O grande protagonista. O atacante foi do Céu ao Inferno em noventa minutos. Em uma jogada fortuita, retomou as graças da torcida. O Pantera se escondeu durante boa parte da partida. O acaso, no entanto, tratou de encontrá-lo no lugar certo, na hora certa, para fazer dele um herói.
Os deuses do futebol são caprichosos.
Texto autoria de Rodrigo Rosa.
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