O menino olhava maravilhado as ruas em festa. Seu pai o levava pela mão, da Glória até a Cinelândia, onde a torcida do Botafogo improvisava um Carnaval.
Os sobrados da rua da Lapa se inclinavam mansamente pela noite, projetando varandas de gradis trabalhados em ferro sobre o passeio. Das adufas, das cornijas, das fachadas de pedra, um suspiro brotava, ascendendo suavemente para a abóboda escura.
O menino ergueu para o alto os olhinhos espantados. As luzes da cidade ofuscavam o brilho das estrelas. O pai seguia firme, sorridente; o menino podia sentir o calor de sua pele, um leve suor umedecendo a concha das mãos.
No Passeio, os ônibus despejavam torcedores em festa. A multidão seguia aos gritos rumo ao Centro. E o menino foi com eles, guiado pelo frêmito que se espalhava nas avenidas, nos becos, nos jardins do parque, arrebatado pela alegria do instante.
Era o ano da graça de 1968. O Botafogo acabava de conquistar o bicampeonato Carioca. Uma campanha memorável; Zagallo, o técnico da Selefogo, fez mudanças táticas importantes na equipe, optando por um 4-2-2 que, na recomposição ofensiva, tornava-se um 4-3-3, com o recuo de Paulo César Caju.
Com essa variação, o time se tornou uma verdadeira máquina. Em 18 jogos, foram 15 vitórias, dois empates e apenas uma derrota; 40 gols marcados e apenas 10 sofridos.
Ao longo do certame, o Botafogo foi líder de ponta a ponta, esmagando um a um os seus rivais, com direito a uma goleada histórica sobre o Flamengo, na final da Taça Guanabara, por 4 a 1.
Veio a decisão com o Vasco. O alvinegro voltou a golear, dessa vez por 4 a 0, gols de Roberto, o artilheiro da competição, Rogério, Jairzinho e Gérson.
A festa e a alegria se justificavam. O menino nada sabia de táticas ou de estatísticas. Mas compreendia o sentimento que se irradiava nas praças, o coração pulsando no mesmo compasso dos surdos que marcavam o ritmo do samba, a multidão dançando junta, mãos para o alto, vozes roucas entoando o hino do clube.
O menino olhou para o lado. Seu pai, sempre tão severo, tão sisudo e conspícuo, dançava também.
O menino arriscou uns passos. Rodopiou na cadência da música. E de repente as árvores, os prédios sóbrios do entorno da Cinelândia, com suas fachadas neoclássicas, as luzes dos postes de mercúrio, tudo se uniu em um mesmo giro, como se o mundo fosse o carrossel de um parque de diversões.
A alegria prolongava o convívio. A madrugada de domingo chegava rapidamente; em breve, a manhã despertaria com suas obrigações cotidianas; a semana de trabalho, os coletivos lotados, a pressa das grandes avenidas, o salário magro, a carestia.
E o que importam os compromissos, as agruras da rotina, quando a alma leve celebra, em uma festa coletiva, a vida mesma, o congraçamento do esporte, o verdadeiro espírito de um povo?
O menino volteava no meio da turba, fuso de roca, pião de carretilha. Ao redor de seu pai, sob o desfraldar das bandeiras, no encanto da vitória.
E então ele ergueu os olhos novamente ao céu escuro. E havia agora, para além do reflexo das luminárias dos arranha-céus, entre névoas e nuvens cor-de-púrpura, uma estela solitária a brilhar no firmamento.
E o menino, que ainda não se sabia artista, que ignorava a possibilidade de estar escrevendo esta crônica, tantas décadas depois, às vésperas talvez de uma nova conquista, teve naquela noite uma certeza: a crença de que nunca, em tempo algum, outro time faria o seu coração bater no mesmo compasso.
Rodrigo Rosa pertence à Nova Escrita www.novaescrita.art.br