Semana tensa. A mídia, como sempre, está a postos para festejar cada pequeno tropeço do Botafogo. O mau resultado contra o Criciúma, no sábado, fez a alegria dos arautos do fim, loucos para ressuscitar fantasmas do passado.
O elenco e a Comissão Técnica têm conversas a portas fechadas. O jogo do meio da semana contra o Peñarol, pela semifinal da Libertadores, está cercado de polêmicas. Um novo deslize pode dar munição para que os críticos de plantão inaugurem uma crise. É preciso fazer um bom resultado, furar a retranca uruguaia; tarefa que, a julgar pelos últimos jogos como mandante no Brasileiro, o time terá dificuldades de cumprir, ainda mais se considerarmos que os Carboneros passaram pelo Flamengo nas quartas sem sofrer um gol.
Uma atmosfera de inquietude cerca a partida. Os torcedores adversários contribuem para tornar as coisas ainda mais difíceis, promovendo uma verdadeira batalha campal na Zona Oeste do Rio. Quebra-quebra, ônibus incendiados, agressões contra a polícia. Um clima de guerra que só torna o jogo mais dramático.
Sinval, artilheiro do título botafoguense na Copa Conmebol de 93, já havia traçado o roteiro no último Glorioso Cast de que participei, lembrando os horrores do confronto em Montevidéu: violência, agressões, ameaças físicas; um desastre anunciado, que obrigou os jogadores e a Comissão Técnica a se trancarem no vestiário após o apito final.
Chega a hora do duelo. O passado tem de ficar para trás. A torcida do Botafogo, ao menos, faz a sua parte no Niltão. Um belo mosaico, gritos de incentivo; a celebração de sempre, ordeira, pacífica, vibrante.
A partida começa. Os jogadores alvinegros parecem à beira da explosão. Desentendimentos, dedos em riste, troca de empurrões. Os uruguaios catimbam, provocam, fazem cera, com a conivência do árbitro. Uma comédia de erros, um festival de absurdos. O futebol tornado uma farsa, um pastiche, um mero engano.
O Botafogo cai na armadilha. Tem os nervos à flor da pele. Não consegue se encontrar. O adversário se anima, vai ao ataque, obrigando John a fazer uma defesa quase à queima-roupa.
A torcida começa a ficar apreensiva. Veremos o mesmo filme das últimas rodadas?
Os minutos finais nos dão um alento. Luiz Henrique chama a responsabilidade, fazendo a infiltração, em sua jogada característica: corte para o meio, chute da entrada da área. Na primeira tentativa, joga longe da baliza; na segunda, põe o goleiro uruguaio para trabalhar.
Vem o intervalo. O segundo tempo promete mais um show de antijogo por parte do Peñarol. A situação é preocupante.
Antes que os times voltem para a etapa final, tenho uma surpresa. A TV começa a apresentar defeito. Tento sair à rua para achar um restaurante aberto; na porta do prédio, uma chuva torrencial me obriga a fazer meia-volta. Um mau presságio. Decididamente, parece que não é dia do Botafogo.
Volto para casa e passo minutos angustiantes lutando contra o aparelho; subitamente, como que por encanto, a imagem volta, do nada; e quase não consigo acreditar no que vejo.
Parece que cheguei a tempo de assistir à grande lição.
Luiz Henrique tem a bola na entrada da área. Savarino se desloca em diagonal. O passe é perfeito. O venezuelano só desvia, de primeira. Um golaço.
O segundo não demora. Cruzamento da direita; a bola chega a Barbosa: ele corta o zagueiro, que se atira aos seus pés; nosso xerife chuta com o coração, com a alma, embaixo, no canto. Está feito o contraponto: uma lição de tática, uma lição de raça. E segue a contradança.
O Peñarol sente o golpe. O esquema tático armado por Diego Aguirre desaba rapidamente. O time fixa exposto. E O Botafogo não perdoa.
A terceira aula não tarda a vir: nosso ponta direita tem a bola dominada; Vitinho passa como um raio, fazendo o overlapping: a bola é rolada, ele vai ao fundo, ergue a cabeça, toca para trás; Savarino chuta fraco, mas com veneno; o goleiro aceita. Aprendeu?
De uma hora para outra, tudo parece se resolver. A imagem da TV se estabiliza. A chuva para. O jogo flui com facilidade; bola de pé em pé, deslocamentos rápidos; depois de um primeiro tempo de enganos, o futebol reina absoluto no estádio.
Luiz Henrique não demora a deixar o dele, em um toque de craque, encobrindo o goleiro que saía no desespero, tentando fechar o ângulo. Jogada de mestre. Uma aula de técnica, um primor.
Antes dos quarenta, mostrando oportunismo, Igor Jesus, com uma cabeçada certeira, dá números definitivos ao placar. Cinco a zero. Um gol para cada título da Libertadores dos uruguaios. Mais do que isso, talvez – ouso dizer – um curso completo de como jogar futebol em cinco lições.
O Peñarol está zonzo. Artur Jorge aproveita para mexer, tirando os jogadores pendurados. Os substitutos mantêm a pegada. O Botafogo faz bonito, tocando a bola com objetividade.
Uma exibição de gala. Trinta e cinco minutos que entram para a História das grandes partidas do nosso escrete.
Um jogo para calar os críticos. Um resultado para impor respeito.
Digam o que disserem, o Botafogo da era SAF veio para ficar.
Rodrigo Rosa é aluno da Nova Escrita www.novaescrita.art.br